“Griôs da Diáspora Negra”, o livro
A histórica edição de 2014 do Festival Latinidades ganha publicação
Foto: Vera Veronika, por Donas Filmes/Reprodução
Era 2014 e, pela primeira vez, eu iria ver ao vivo as norte-americanas Angela Yvonne Davis e Patricia Hill Collins. A ocasião era o Latinidades, festival que já tinha me proporcionado ouvir a música de Vera Verônika e da dupla Krudas Cubensi (Cuba); a poesia de Cristiane Sobral; e os apontamentos da escritora Conceição Evaristo, entre outras imersões negras.
Três anos depois daquela edição histórica, chega o livro “Griôs da Diáspora Negra”. A publicação – homônima à edição daquele ano – traz 24 textos e poemas de referências negras que estiveram no evento. Os escritos versam sobre saúde, educação, territorialidade e políticas de memória.
Organizado por Ana Flávia Magalhães Pinto, Chaia Dechen e Jaqueline Fernandes, o livro é um registro que vai muito além de Angela e Patricia. O primeiro texto, por exemplo, poderia ser uma síntese de todo festival e publicação.
Em “Badia: Parteira de memórias”, a escritora potiguar Inaldete Pinheiro de Andrade nos brinda com as lembranças daquela que a ensinou a ser contadora de histórias ou, em outras palavras, a honrar a tradição das griôs, mulheres que dominam a arte da palavra e transmitem a história pela tradição oral.
Inaldete também toca na ferida da literatura infanto-juvenil, ao apontar o racismo na obra de Monteiro Lobato (e de outros cânones da literatura mundial), além de mostrar a urgência de produções com recorte étnico.
Exceção na seleção diaspórica negra, a escritora moçambicana Paulina Chiziane disserta sobre o lugar da religião africana nas religiões mundiais. Em tempos de intolerância crescente, Paulina provoca o discurso dos extremistas em vários momentos, inclusive quando recorda a contribuição da arte adivinhatória, como o Ifá, para ciências europeias.
As conclusões do texto deveriam estar em outdoors espalhados pelo país – cuja liberdade religiosa esbarra nas pedradas em crianças de turbante e vestidas de branco. Quando atesta que “o cristianismo colonial afastou-se dos ideais de Jesus Cristo ao remeter a religiosidade africana ao diabólico” ou que “é preciso ensinar os africanos a terem orgulho do seu passado e da sua história”, a moçambicana questiona como o ódio pode ser o combustível de uma fé .
Territórios
Os problemas e as possíveis soluções acerca do direito à cidade e a exclusão social estão expostos em “Saberes ‘invisíveis’ na cidade: de segregação socioespacial étnica à construção da justiça ambiental”, de Ângela Gomes e Maria Lúcia Wakisaka.
De acordo com as autoras, o planejamento das cidades e a arquitetura comercial contemporânea fomentam as desigualdades quando desconsideram os saberes africanos e indígenas localizados em vilas, cortiços e favelas do país. Uma das saídas para o problema é a implementação de políticas públicas que pensem locais, como quilombos e terreiros de candomblé, como espaços de serviços públicos e de resistência e manutenção de saberes.
Vários elementos unem a diáspora africana no mundo e nem todos são motivos de alegria. Em “Territórios negros em fronteiras Equador-Colômbia”, a palenqueira equatoriana Inés Morales Lastra narra a trajetória e a resistência daqueles que, no Brasil, são chamados de quilombolas. Mulheres e homens negros que lutam pela manutenção do território nas terras do Pacífico e pela preservação dos recursos naturais da região. É um cenário que vai além do direito à terra e que também denuncia a marginalidade dos povos fronteiriços e a dificuldade na conservação da memória e da autonomia.
Por fim, resgato um trecho de “Entre Cláudias e Carolinas”, poesia de Nina Silva, que cita mulheres negras como Cláudia Silva Ferreira, arrastada por uma viatura da Polícia Militar do Rio de Janeiro por 350 metros, em março de 2014; e Carolina Maria de Jesus (1914-1977), escritora homenageada no Latinidades 2014:
“São mães da Candelária
São mães como Cláudia
São pretas como todas as Silvas
São pretas como eu
São pretas como Carolina”
O lançamento de “Griôs da Diáspora Negra” será na quinta-feira, dia 27 de julho, às 18h, no Museu Nacional Honestino Guimarães. A distribuição do livro é gratuita. Os interessados em adquirir um exemplar, com residência fora de Brasília, pagam apenas o frete do livro. Envios a partir do dia 2 de agosto. Informações: griosdadiasporanegra@gmail.com .
Abaixo, programação completa do Festival Latinidades 2017:
25 de julho, terça-feira
15h -18h – Esquenta Latinidades: papo preto e periférico
Abertura da Exposição “A Cidade é feminina” | Intervenção – Cia Bisquetes | Discotecagem -Selektha Joy | Apresentações artísticas – Ellen Nzinga, Lidia Dallet e Martinha do Coco
Roda de Conversa – “Conhecer o passado é fortalecer o presente e garantir o futuro”
Com Dyarley Viana (Inesc), Lúcia Xavier (RJ, Criola), Joyce Fernandes/ Preta Rara (SP, cantora e militante) e Martinha do Coco (DF, mestra do Samba de Coco e da Cultura Popular)
20h -22h30 – Gravação do DVD Vera Verônika – 25 anos
(retirar ingresso com 1h de antecedência. Espaço sujeito à lotação)
Local: Teatro Plínio Marcos do Complexo Cultural da Funarte
26 de julho, quarta-feira
20h40 – Cine Afrolatinas
Local: Cine Brasília (106/107 Sul)
Peregrinação (2017, 50 min), de Viviane Ferreira
27 de julho, quinta-feira
10h -12h – Mesa 1 – Memórias de visionárias
Local: Auditório principal do Museu Nacional Honestino Guimarães
Com Rosana Paulino (SP), Elisabete Aparecida Pinto (BA), Célia Cristina da Silva Pinto (MA) e Giovanna Xavier (RJ, debatedora)
14h -15h – Cine Afrolatinas
Local: Auditório pequeno do Museu Nacional
Encontro das Águas (2016, 30 min), de Zaíra Pires, Flávia dos Santos e Mestre Negoativo
Antonieta (2015, 15 min), de Flávia Person
15h -17h – Mesa 2 – Miragens do futuro no presente
Local: Auditório principal do Museu Nacional
Com Marcelo Caetano (DF), Erica Malunguinho (PE), Kênia Freitas (DF) e Larissa Fulana de Tal (BA, debatedora).
18h -19h – Espaço Literário: Lançamento do livro Griôs da Diáspora Negra
Local: Auditório principal do Museu Nacional
Com Ana Flávia Magalhães Pinto (DF)
19h -21h – Mesa 3 – Afrontosas: agir para transformar
Local: Auditório principal do Museu Nacional
Com Viviane Ferreira (SP), Maria Clara Araújo dos Passos (PE) e Vilma Reis (BA), Meimei Bastos (debatedora)
Sexta-feira, 28 de julho
10h -12h – Oficina 1 – Utopias coletivas e projetos de futuro
Local: Auditório menor do Museu Nacional
Com Lúcia Xavier (RJ)
14h -15h – Cine Afrolatinas
Local: Auditório menor do Museu Nacional
Rainha (2016, 30 min), de Sabrina Fidalgo
Beatitude (2015, 15 min), de Délio Freire
Pretas no hip hop (2017, 15 min), de Priscila Francisco Pascoal
15h -17h – Mesa 4 – Ciência, tecnologia e projetos de transformação social
Local: Auditório principal do Museu Nacional
Com Buh D’Angelo (SP), Brenda Costa (BA), Silvana Bahia (RJ) e Katemari Rosa (RS, debatedora)
17h -19h – Espaço literário
Palavra Preta: Mostra nacional de negras autoras
Local: Auditório principal do Museu Nacional
Com Luedji Luna.
19h – Diálogos transatlânticos
Em parceria com o projeto Vidas Refugiadas
Local: auditório do Museu Nacional
Com María Ileana Faguaga Iglesias (Cuba) e Nkechinyere Jonathan (Nigéria) e Charô Nunes (SP, mediadora)
Sábado, 29 de julho
10h -12h – Oficina 3 – Dança: Coupé Décalé
Com Kety Kim Farafina
10h30 – 12h – Mulheres negras na contemporaneidade: uma escuta para inquietações, demandas e celebrações
Em parceria com o British Council e Redes da Maré
Local: Auditório menor do Museu Nacional
Com Ionara Talita Silva, Eliana Sousa Silva e Flora Egécia (debatedora)
12h -14h – Espaço literário
Palavra Preta: Mostra nacional de negras autoras
Local: Auditório principal do Museu Nacional
14h -16h – Mesa 5 – Moda preta: poder, lacre, transformação
Local: Auditório principal do Museu Nacional
Com Luciane Barros (SP), Magá Moura (BA), Ana Paula Xongani (SP) e Nátaly Neri (SP, debatedora)
17h -18h – Cine Afrolatinas + debate com Day Rodrigues
Local: Auditório menor do Museu Nacional
Filme Mulheres Negras: Projetos de Mundo – O filme (25 min, 2016), de Day Rodrigues e Lucas Ogasawara
19h -21h – Desfile Afrolatinas
Com Pinto Musica (Moçambique), Rogue Wave (Angola), África Plus Size (São Paulo) e DJ Donna (DF)
21h -22h30 – Stand up: Tia Má – Com a Língua Solta
Entrada franca (retirar ingresso 1h antes do início do evento)
Local: Auditório principal do Museu Nacional
Domingo, 30 de julho
10h -12h – Oficina 4 – Roda da Mãe Preta – Ancestralidade e Maternidade
Com Taisa de Souza Santos, Priscila Obaci e Ana Paula Xongani
11h -13h – Oficina 5 – Dança com P. Afrobeat e Dança Afro
Com Vanessa Soares
14h -16h – Oficina 6 – Malungas: autocuidado como insurgência
Com Layla Maryzandra
14h -17h – Espaço literário
Palavra Preta: Mostra nacional de autoras negras
Local: Auditório principal do Museu Nacional
16h -17h – Showcase Craca e Dani Nega + Lançamento de clipe da música Papo Reto
Com apoio da Fundação Cultural Palmares
Entrada franca
Local: Auditório do Museu Nacional
18h – Festa Latinidades
Com DJ Donna (DF), ZAV (Moçambique) e Oshun (EUA)
Local: Outro Calaf (Setor Bancário Sul)
Ingressos: R$ 30 até 30/07, e R$ 35 na hora
Não recomendado para menores de 18 anos