Três sonetos ingênuos
Arte: Sarah Sado/Revista Seca
0.
Três sonetos ingênuos
Duas piadas
E um lamento
1.
Duas cores que quando agiam unidas
Eram um forte prenúncio para o épico
Transmutando o mais cético em utópico
Ensinando ao mais pobre crer-se um Midas
Quando tocava o preto o escarlate
Contínuo espaço-tempo arrefecia
A multidão saltava, o chão tremia
E todo o mais era puro disparate
Eis que ao templo chegaram os mascates
– Para os quais a avareza é uma arte –
Prometendo dez mil boletos pagos
Ao amor impôs-se o lucro, destarte
A horda foi mandada para o abate
E o goleiro seguiu errando o lado
2.
Que nobre vocação que é a notícia
Viu-se desde pequena arrebatada
Júbilo da mentira bem contada
O poder da caneta, essa delícia
Foi a fé que lhe fez especialista
Profeta das proezas do mercado
Estimada por reis e magistrados
Não tem nenhum CEO que não assista
Ao ver que o esplendoroso Activia
Ministrado com o rapé da Bolívia
Acabava com aquele tormento
Abancou-se no trono ali tão lépida
Pariu a criação, tocou a dádiva
Depois dedo por dedo foi lambendo
3.
Intrépido trepado no púlpito
Com a crença de quem produz a regra
Deveras estimado pelo público
Pois que tudo que lhe pedem entrega
De onde veio a vontade assim de súbito?
Quem a própria coluna tanto arqueia?
Um desejo animal, porém tão lúdico
Uma ânsia de ter a boca cheia
Por seu próprio cilindro tão pulsante
Que envolvido por seus tão finos lábios
Trouxe a eternidade num instante
Pela primeira vez, um diletante!
Como nem dos michês fez o mais sábio:
Sorve o leite da mais íntima fonte